1. REGIMENTO ESCOLAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL
1.1. Um breve histórico
Por muito tempo as crianças foram vistas como pequenos adultos, ainda incapazes de tomar decisões, fazer escolhas, e necessitadas de mimos e cuidados específicos a seres frágeis e inocentes.
No Brasil, as instituições denominadas “creches”, que surgiram com a intenção de disponibilizar serviços, cuidando dos filhos das mães que precisavam trabalhar, caracterizaram um regime assistencialista. Esta concepção começa a se modificar a partir da Constituição de 1988, que em seu texto disposto no Título VIII, Capítulo III, Seção I, Art. 208, parágrafo IV, dá garantia de “educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade.”, como dever do Estado.
A partir dos anos 90, a Educação Infantil passou a ser regida pela Legislação da Educação Nacional, o que determinou uma ressignificação de suas funções sociais, passando do entendimento de assistencialismo para a concepção de indissociabilidade das funções cuidar/educar, o que se pode verificar no texto da LDB 9394/96 – art 29, que estabelece:
“... a Educação Infantil, a primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.
Tais fatos marcam o surgimento de escolas de Educação Infantil, devidamente regulamentadas dentro dos parâmetros previstos na Legislação.
1.2. A importância do Regimento Escolar
Toda a instituição formalizada deverá estar embasada em um documento que norteie e regulamente suas atividades. Neste contexto é essencial para a educação que as instituições escolares devam ser regulamentadas por regimentos internos que venham a organizar as ações pedagógicas previstas no plano político pedagógico.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, em seu art. 3°, parágrafo VIII:
“As propostas Pedagógicas e os regimentos das Instituições de Educação Infantil devem, em clima de cooperação, proporcionar condições de funcionamento das estratégias educacionais, do uso do espaço físico, do horário, e do calendário escolar, que possibilitem a adoção, execução, avaliação e o aperfeiçoamento das diretrizes”
Esta carta de intenções, denominada Regimento Escolar, tem caráter universal e democrático, e sua construção é direito da comunidade escolar, ou seja, é da competência dos gestores e professores redigi-lo, contando com a participação de funcionários, pais e alunos nas decisões sobre seu conteúdo, o qual deverá ser objetivo, transparente e de fácil interpretação, possibilitando o acesso a toda a comunidade escolar.
Segundo BORDIGNON (2004) “As instituições e as leis são feitas a partir dos valores e significações da sociedade para direcionar a ação em vista dos objetivos sociais.(...)”. Logo, entender-se-á Educação Infantil de qualidade a partir da construção de seu Projeto Político Pedagógico e Regimento Escolar, quando elaborados democraticamente por seus administradores, educadores e todos os atores do processo ensino-aprendizagem, estabelecendo a identidade própria da escola.
1.3. Elementos constitutivos
Como elementos constitutivos, além das formalidades cadastrais como denominação, endereço completo e de correspondências, o regimento escolar deverá apresentar uma síntese dos fins e dos objetivos, sua opção filosófica, política, sócio-antropológica e pedagógica veiculados no Projeto Político Pedagógico, assim como sua base organizacional.
Dentro da base organizacional da educação infantil o regimento escolar deverá discriminar como estão constituídos os grupos administrativos da instituição assim como o numero de crianças matriculadas, a distribuição em turmas, critérios a serem utilizados nesta distribuição e o numero de educadores para cada turma ou grupo.
No regimento escolar deve constar uma síntese do currículo escolar previsto no PPP assim como a organização do planejamento didático-pedagógico.
2. COMO SE REGE A EMEI MUTIRÃO
Durante três semestres, estivemos visitando a Escola Municipal de Educação Infantil Mutirão, com a intenção de conhecer seu contexto, seu surgimento, verificar artefatos culturais que perpetuam sua história, o trabalho pedagógico, as funções e competências de cada profissional que constitui a equipe administrativa, e, desta vez, para tomar conhecimento da forma como se organiza, ou seja, a existência ou não de Regimento Escolar que normatize o trabalho e o convívio na Instituição.
Em nova visita verificamos que a EMEI Mutirão não dispõe de Regimento Escolar. Sua mantenedora é a Secretaria Municipal de Educação e Desportos de Santa Vitória do Palmar/RS. Visitamos a SMED, em busca de um possível Regimento Municipal, mas fomos informados de que também não existe tal documento.
Depois de termos estudado a respeito da importância do Regimento, e da forma como se constitui, voltamos a conversar com a Diretora da EMEI Mutirão, a fim de verificarmos quais as normas da escola que condizem com o que um regimento deveria prever, porém ela nos disse que seria complicado conversar a respeito de um documento que não existia na escola.
Em conversa com um professora que já foi diretora da referida escola, levantamos alguns dados sobre a forma como a escola se organiza:
a) Quanto aos turnos de atendimento: integral ou apenas um turno, de acordo com a necessidade de cada família;
b) Organização Didática – modalidades por faixa etária:
- Maternal 1 – 2 anos
- Maternal 2 – 3 anos
- Jardim – 4 anos
- Pré-escola – 5 anos
c) Horário de funcionamento:
- Turno manhã: Entrada - 8h até 8h30min
Saída – 12h
- Turno tarde: Entrada – 13h até 13h30min
Saída – 17h15min até 17h30min
d) Proposta Pedagógica: recebem uma lista da SMED, que a professora considera restrita. Trabalham com projetos, desenvolvendo “assuntos diversos, que condizem com sua realidade.”
e) Alimentação: uma nutricionista municipal elabora cardápio para garantir alimentação balanceada.
f) Higiene e cuidados pessoais:
- cada aluno deve levar para a escola uma muda de roupas extra;
- cada professor faz controle para a não proliferação de piolhos;
g) Saúde: os alunos não são medicados na escola. Em caso de problemas com algum aluno, os pais são chamados;
h) Professores e funcionários: tem horários pré-estabelecidos para entrada e saída e colaboram com atividades extra-classe; são orientados a preservar o patrimônio e não desperdiçarem alimentos e materiais; tem suas folgas organizadas de forma a não prejudicarem o “andamento da escola”.
Embora tenhamos conversado com a professora “A” que atua na escola e foi diretora, não tivemos acesso a nenhum documento que formalize tais regras.
Entendemos que a EMEI Mutirão atua de acordo com as regras de sua mantenedora, e portanto tem restrita autonomia sobre sua regulamentação.
A partir dos conhecimentos construídos no decorrer da disciplina de Estágios II, podemos entender que a falta de um Regimento Escolar poderá afetar a construção de uma identidade própria da Instituição, pois nele deveria constar sua proposta pedagógica, de acordo com as reais necessidades da comunidade em que a escola está inserida e não uma proposta considerada válida para todos os bairros de um município, que mesmo pequeno, se constitui de diferentes culturas.
Verificamos, porém, já desde as primeiras visitas feitas a EMEI Mutirão, que a atuação da direção, dos funcionários e, principalmente do corpo docente, é marcada por um comprometimento com a qualidade de ensino, pois conseguem fazer um trabalho contextualizado, diferenciado e integrador, mesmo com todas as restrições de infra-estrutura, recursos físicos e humanos, e com os percalços sobrevindos de tantas mudanças de direção decorridas de mudanças na administração municipal.
Azanha nos alerta para que não confundamos a existência de um regimento próprio na escola, com autonomia. Para ele “a autonomia da escola numa sociedade que se pretenda democrática é, sobretudo, a possibilidade de ter uma compreensão própria das metas da tarefa educativa numa democracia”.
Ainda assim, sem a intensão de concluirmos um tema demasiado amplo, encerramos este texto, com a reflexão sobre a possibilidade de contribuição de uma correta organização da administração escolar, contando com todos os profissionais competentes e necessários, e uma regulamentação específica da escola, principalmente para uma prática pedagógica mais adequada ao contexto em que está inserida, para uma convivência valiosa, uma maior autonomia e efetivação da democracia e por conseguinte da tão sonhada qualidade no ensino, desde a “primeira etapa” da educação formal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário